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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

sábado, 17 de junho de 2017

Crônica de junho


MARIA FLOR

Maria cultivava flores em seu jardim. Na vida cultivava amigos. Ela tinha vindo de uma terra árida. Na infância quase não brincou, e chegou a passar fome. Mas tinha fé, como todo bom sertanejo, e logo passou a frequentar a igreja assiduamente. Mais tarde, se casou e teve cinco filhos. Três deles a morte lhe poupou. E os criou, junto a seu esposo, homem bom, trabalhador e honesto. Ele nunca aprendeu a ler e a escrever. Ela foi um pouco além. Viveram muitos anos. Depois que ele se foi, e com os filhos já criados, um deles meio crente e meio ateu, Maria adoeceu. Na sua (des)confiança, o filho mais novo ia no quintal e se ajoelhava. Dizia coisas para o espaço. Maria Flor passou a enxergar a vida de uma forma confusa. Muitas coisas se misturavam em sua mente. Passado, presente. Parecia resignada, e assim ela não aparentava sofrer. Mas foi tudo muito rápido. Em apenas quinze dias, a "Madona de Cedro" definhou. Amigos fizeram correntes de oração, políticos fizeram média; seus filhos, penitência. Nada a conteve. Nada a fez ficar aqui. Em silêncio profundo Maria se foi... Ela que fazia tanto, por tanta gente. Ela que acolhia bons e maus, vai-se sem companhia. Mas nem percebia. E nessa peça que a vida lhe pregou, Maria encerrou o seu ato. Hoje ela descansa em paz na morada final. No seu túmulo, que ela mesma mandou construir, apareceu uma fenda. Nela um arbusto brotou, e dele uma flor. (Eliel Silva – junho de 2017)

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