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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Com as velas içadas



“Mais, quero mais,
nem que todos os barcos
recolham ao cais,
que os faróis da costeira
me lancem sinais.
Arranca a vida, estufa a vela,
Me leva, leva longe,
longe, leva mais...”
(Vida – Chico Buarque)

Mudança de hábitos

É você viver por quase toda uma vida ao lado de alguém, que acaba absorvendo até as manias, dissimulando os defeitos, se arranjando um jeito de seguir vivendo. Assim, “vão viver sobre o mesmo teto até trocarem tiros”. E eis que alguns deles são tão certeiros! Não tem essa de bala perdida, não. Elas tem sim, muita direção. Você refaz a sua rota, sai de cena atingido “no corpo, na alma e no coração”. Sente-se uma fera ferida. Sobrevive. Aos trancos e barrancos reconstrói sua fortaleza, encontra outro sentido pra viver, “outro amor, outro lar”. Depois de algum tempo sozinho, recolhendo os seus pedaços, você já nem sabe o que é errado e o que é o certo. Sai buscando espaço pra seguir num caminho incerto. Assim tão blues, tão “meio bossa nova e rock and roll”, vai matando um leão por dia pra sobreviver. A vida lhe aponta outro horizonte, lhe oferece outra chance e você se apega a ela como se fosse tábua de salvação. Sabe que aparecerão outros dissabores. Onde há vida, há o caos. Seres são mistérios, seres são mutantes. “Gente nasceu pra querer”. Há que se adaptar a outras manias, outros hábitos, outros costumes, e até quem sabe, a outras vestes. E é bom que fique bem atento, porque pode ser também que depois de tantas mudanças, tantas adaptações, você descubra que a sua alma não é mais a mesma. Mas “há que se cuidar do broto”, e o tempo se encarregará de lhe dar a flor e o fruto. Você é um novo estudante... um eterno aprendiz.

Texto: Eliel Silva - fevereiro/2013

Imagem: Internet

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Mais um blues...



Ando pós-modernamente apaixonado pela nova geladeira.
Primeira escrava branca que comprei, veio e fez a revolução.
Esse eterno feminino do conforto industrial injetou-se em minha veia, dei bandeira!
e ao por fé nessa deusa gorda da tecnologia gelei de pura emoção!
(Balada de Madame Frigidaire – Belchior)


Frieza

“Ela disse-me assim”: cuidado com o que você vai fazer! Na sua frieza de eletrodoméstico eu senti firmeza, sinceridade, nunca pensei que um dia uma geladeira fosse se tornar tão minha amiga. É que naquele abre e fecha a porta, sensual por demais, do dia a dia, não é que me ganhou a simpatia! Também foram horas, dias e noites de muita solidão. Uma geleira cá do lado de fora me invadia a alma. Às vezes eu queria entrar dentro dela para me aquecer. Eu pensava ser menos gelado ali, bem dentro do seu coração de lata. Seus compartimentos estavam quase sempre bem vazios. Não tanto por falta de dinheiro, mas por displicência minha. Então eu olhava para ela com ar de quem quer uma companhia, uma palavra amiga. Cheguei sozinho naquela casa. Ela me veio depois, por pura necessidade. Apeguei-me a ela como quem se apega a um ser vivo. Mas ela estava viva. Seu coração, motor moderno, programado para consumir menos energia elétrica e me ajudar nas despesas da casa, batia, ou melhor, trabalhava num compasso sempre igual. Não se alterava nunca. Fui ficando seu amigo, mais que isso: seu dependente. Desisti da televisão, que me “deixou burro, muito burro demais”. “Às vezes, no silêncio da noite”, em seu barulhinho suave, ela me alertava da necessidade de uma companhia. Acho que ela queria mesmo era ver-se cheia de mantimentos em seu interior, para aí sim, cumprir a sua função, como acontece com uma geladeira de uma casa de uma família normal. Com uma presença feminina tudo tende a mudar. Ela, com sua marca tradicional, sabia disso muito bem. Mas eu não podia dar o passo além das pernas. Assim esperei um certo tempo. Queira Deus que, quando o momento chegar, pessoas e coisas não se estranhem, mas se dêem bem! Quero abrir a sua porta e não vê-la tão vazia, como vazios estavam meu coração e a minha alma. Penso até em voltar no tempo e produzir poli (mas sem aquele palitinho no centro), só para saborear um resquício de infância que me ficou. Quero, na minha sede, lhe usar, mas com a companhia de alguém que beba comigo a água mais gelada e gostosa da nossa vida, matando assim a nossa vontade de mergulhar no infinito frio e quente de nós dois, sem limites para continuar a vida...
Texto: Eliel Silva – fevereiro/2013.
Imagem: Internet